Doenças crônicas e saúde mental na pandemia: o que aprendemos em 2020

Este ano de 2020 foi especialmente difícil para quem tem doença crônica. Estou falando de doenças que não representam risco imediato à vida, mas trazem prejuízos significativos para a qualidade de vida no cotidiano e podem levar à morte no médio e longo prazo. Estou falando por exemplo de doenças autoimunes e transtornos mentais – condições que são muito sensíveis a estresse e geram enorme impacto para a autonomia.

Neste ano, o assunto mais focado pelas instituições de saúde foi uma doença aguda, que talvez tenha como efeito colateral a diminuição do interesse geral nas demais condições.  A covid-19 ficou sob os holofotes, não só pela sua magnitude – como não focar numa pandemia? Mas pela alta mortalidade.

As pessoas com doenças crônicas tiveram que lidar não apenas com os riscos da covid-19, mas também com o alto nível de estresse que veio junto com ela e com as limitações de tratamentos. Consultórios e ambulatórios tem funcionado de forma bastante limitada; fisioterapias, hidroterapias, terapias complementares de todos os tipos tem sido oferecidas de forma restrita ou não tem sido oferecidas. O mesmo acontece com serviços básicos que contribuem significativamente para a qualidade de vida dessas pessoas, como academias, feiras livres, templos etc. Para muita gente a falta de acesso significa mais dores, mais sintomas, mais ansiedade e mais prejuízos. Como começar o ano de 2021 depois dessa experiência tão difícil?

Van Gogh’s The Starry Night coronavirus pandemic remix

Eu acredito que os apelos de governos e profissionais de saúde para que cada pessoa faça a sua parte nessa pandemia podem ser extendidos às outras condições de saúde. Porque, na realidade, todas elas são parcialmente determinadas pelo contexto social, o que significa que cada pessoa pode ter um papel relevante na reabilitação de outras com doenças crônicas. Isso significa que não é só a terapeuta que pode ajudar a um indivíduo com depressão, por exemplo, mas toda a rede de amigos, familiares, conhecidos… No último nível de relação dessa rede, podemos dizer que os valores culturais que cultivamos podem impactar a saúde de todos.

Mas, focando no nível mais íntimo, eu acredito que em 2021, precisaremos ter ainda mais empatia, cuidado e responsabilidade com nossos próximos, principalmente os mais fragilizados. A primeira atitude importante nesse sentido é a de reconhecer seus privilégios e potencialidades diante dos outros; assumir a responsabilidade que lhe cabe. Sabemos, por exemplo, que crianças e adolescentes com doenças crônicas dependem enormemente dos adultos para lidarem com seus sintomas e tratamentos. Sabemos que mulheres sofrem uma carga global de doenças crônicas mais elevada do que os homens, e que eles tendem a morrer mais em acidentes e situações que envolvem violência. Mas, cada família vive sua situação particular. E cada um sabe ou está tendo a oportunidade de saber que papel deve assumir na saúde de seus familiares.

Se, por exemplo, você é mãe ou pai de um adolescente com sintomas em saúde mental, como alcolismo e intensa desregulação emocional, talvez tenha precisado assumir um papel ainda mais crucial na reabilitação dele em 2020, e vai precisar manter sua presença amorosa e responsável ao longo de 2021. Se você é casado com uma pessoa com doença reumatológica que sente dores e tem sua mobilidade reduzida, deve ter ficado ainda mais próximo do sofrimento dela em 2020, e vai precisar acolher e ajudar a aliviar seus sintomas mais do que está acostumado, em 2021. E se você é portador de alguma dessas doenças, deve ter ensaiado formas de super compensar suas limitações em 2020, talvez até desrespeitando seus limites físicos e emocionais. E agora, está tendo a grande oportunidade de aprender a pedir ajuda, a comunicar suas vulnerabilidades e a dar mais valor capacidade de seus próximos em ajudá-lo. Afinal, a autonomia individual é resultado de uma rede coletiva, desde o nascimento até o final da vida. E podemos dizer que a saúde também.

É saudável aceitar seus sintomas e saber nomeá-los, explicá-los e quando necessário pedir ajuda. Em 2021, com vacinas, mas ainda com as medidas necessárias para prevenir a covid-19, vamos continuar readaptando nossos sistemas familiares e sociais a toda essa experiência disruptiva que foi 2020. Eu o convido a refletir sobre seu papel nesses sistemas, suas necessidades e potencialidades. Que seja um ano de consolidação de tudo que aprendemos, e que seja muito mais feliz! 

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