Aceitação Radical em tempos de pandemia

Aceitação Radical é uma habilidade emocional aprendida na Terapia Comportamental Dialética mas também é um princípio importante no zen budismo e em práticas meditativas. Significa se conectar com a realidade presente sem pretender controlá-la, mas com a intenção de aceitá-la apenas como é. Porém, do contrário que muita gente imagina antes de entrar em contato com a terapia, nem meditação nem aceitação radical são experiências fáceis e relaxantes. Elas até tem um efeito muito positivo em nosso estado emocional, e podem sim ter um efeito de relaxamento no longo prazo. Mas praticá-las pode ser um grande desafio.

Diante de realidades difíceis e em meio a tantos estímulos ansiogênicos é ainda mais desafiador praticar aceitação e cultivar um estado emocional em atenção plena. A tendência é embarcar na ansiedade e responder fugindo da ameaça, ainda mais se for uma ameaça “invisível”. E é por isso que, em meio a pandemia da covid-19, observamos tanta gente lutando contra a realidade e agindo de formas bastante contraditórias aos valores que elas mesmas prezam (levando em consideração aquelas pessoas que prezam pela vida).

Série Introspectiva, Jialu Pombo (2009)

Um exemplo básico de como funciona a Aceitação Radical é em casos de transtornos mentais onde a ansiedade tem um papel preponderante. Essa habilidade previne aquele medo de sentir medo ou a ansiedade como resposta à crise de ansiedade, que geram um ciclo vicioso. Num quadro mais depressivo, por exemplo, acontece mais ou menos assim: eu sinto os primeiros sinais físicos da ansiedade, então penso que “lá vem uma crise”, me julgo por mais uma vez estar tendo uma crise, fico com raiva de mim mesma, me alieno de meus valores de amor próprio, me sinto mais vulnerável, a ansiedade aumenta, as crises pioram… Num quadro com abuso de substâncias, posso acabar respondendo ao sentimento de vulnerabilidade com um comportamento compensatório, usando alguma droga que me dê maior sensação de poder. Mas, praticando a Aceitação Radical, eu passo a entender melhor a realidade da minha saúde mental e a aceitar que ela inclui crises de ansiedade. Então, numa situação de crise, ao perceber os sintomas físicos mencionados, eu aceito que eles fazem parte dessa realidade, aceito que tenho um problema de saúde, aceito as soluções válidas para esse problema e valido o fato de já estar agindo para melhorar, então ao invés de me julgar, me alienar de meu amor-próprio, ficar mais ansiosa, reconheço meu esforço e me comprometo ainda mais com um tratamento eficaz.

O desafio está naquele momento em que a ansiedade não está exatamente ativa, em que eu estou relativamente bem, na segurança do meu lar, e decido parar para meditar na realidade do momento presente e aceitá-la radicalmente. Um dos exercícios propostos para o desenvolvimento da habilidade da Aceitação Radical é descrever realidades que eu tenho muita dificuldade em aceitar, assumindo uma postura disposta e não julgadora. Então, na minha meditação, eu me dou conta de um medo lá no fundo da minha mente: o medo da pandemia. Eu descrevo a realidade dessa pandemia da forma mais esclarecida e realista possível. Eu entendo que muitas pessoas já morreram dessa doença. Entendo o meu lugar nessa realidade. Aceito que há muitas variáveis que não posso mudar, e algumas com as quais posso colaborar. Mas ao longo desse processo, eu percebo meus medos, meu sentimento de impotência, minha raiva, minha vontade de fugir dessa realidade. Então, é difícil de aceitar. E mesmo assim, eu decido aceitar.

Algumas coisas só mudam na mente depois de mudarmos os comportamentos. Agir envolve muito mais de nosso corpo do que só pensar. Praticar Aceitação Radical envolve então não só a descrição das realidades difíceis, mas o engajamento em comportamentos coerentes com a realidade mesmo que eu esteja lutando internamente com ela. Eu sei que usar máscaras, cuidar delas, carregá-las para todo lugar que eu tiver que ir vai me lembrar do medo da pandemia, e eu honestamente preferia esquecê-la… Mas, eu decidi aceitar a realidade de forma radical, porque eu sei que isso é melhor para mim e é mais coerente com meus valores pessoais, como o valor da defesa da vida. Então, eu uso a máscara, mesmo contrariando aquela ansiedade que me manda fugir. O mesmo acontece com comportamento de distanciamento social. E cada vez que eu repetir esses comportamentos, a contrariedade vai diminuir. E eu vou me sentir validada e fortalecida na minha decisão.

É claro que se eu me engajar nesses comportamentos mais saudáveis mas me sentir julgada pelos outros ou sentir que estou muito sozinha nesse esforço, minha disposição em continuar coerente com a realidade vai ser desafiada. Agora, além da ameaça da pandemia, eu sinto a ameaça da solidão. E essas realidades vão entrar em conflito com meus valores. Então, num contexto de pandemia como esse, é compreensível que as pessoas oscilem tanto, às vezes se alienem, se percam de suas intenções, fujam. Mas, para quem não desistiu e pra quem desistiu mas ainda tem uma dissonância cognitiva aí, eu convido a buscar validação e apoio entre aqueles que permanecem insistentes na prática da aceitação. Vem comigo!

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